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Manual para pais

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Quando nasce uma criança nasce um pai/mãe.  Será? Ninguém está pronto do dia para a noite para desempenhar talvez uma das nossas funções sociais mais complexas…

 

A verdade é que após anos ouvindo pais e mães na minha frente contando a história da vida dos filhos, costumo dizer que ser mãe/pai é caminhar sobre a incerteza, pois mesmo filhos do mesmo pai e da mesma mãe se tornam pessoas completamente diferentes, com suas personas totalmente distintas, mesmo sob a influência do mesmo ambiente familiar.

 

Sabemos que a ordem de nascimento influencia na forma como tendemos a tratar os filhos, e a maneira como fomos criados também terá forte influência sobre os nossos valores e sobre como acreditamos que devemos cria-los. Se os pais não se entendem nesse aspecto, os conflitos tendem a aumenta.

 

Uns dizem: Não quero que ele (a) passe pelo que eu passei…

Enquanto outros afirmam: Assim que fui criado e assim criarei os meus filhos.

 

Como psiquiatra, coleciono um conjunto de relatos que merecem um dia ser contados, como certa mãe cujo filho traficava e só encontrou a paz após sepultá-lo com todos os pedaços do seu corpo. Ela me disse: dra. eles ameaçaram matar o meu filho e cortá-lo em pedaços, espalhar os pedaços e ninguém jamais encontraria todas as suas partes.  Então quando ele finalmente foi morto ela me disse: agora eu sei onde ele está…e foi sepultado com todos os seus pedaços!

 

Outro paizinho, com boa condição financeira, criou três filhos. As duas mais velhas casadas, com curso superior, trabalhavam. Já o caçula, fazendo faculdade particular. Tinha carro e dinheiro, foi em busca de “emoção” cometendo assaltos. Terminou por ser linchado e seu pai me disse: nunca vou esquecer das pessoas pisando na cabeça dele, enquanto ele já estava morto. Também nunca saberei onde foi que eu errei..

 

Certa feita, conheci a mãe de paciente autista. A mãe era extremamente dedicada ao filho e o filho era um autista moderado. Ainda tinha bastante dificuldade na interação social. Apesar das dificuldades que o TEA lhe impunha, estava cursando faculdade de geologia, participando de escavações em sítios arqueológicos e até conseguiu arrumar uma namorada. A namorada teve que tomar a iniciativa para começarem o namoro. A mãe me contava feliz cada passo do desenvolvimento do filho e comemorávamos juntas cada vitória.

 

Mãe bipolar, com a filha também bipolar com várias tentativas de suicídio. A filha encontrou uma razão para continuar a viver através de ensaio fotográfico no CAPS e atualmente escreveu um livro que aguarda publicação. Um exemplo de como a arte pode nos salvar da morte e da nossa própria loucura. Um orgulho para todos os profissionais que atuam em seu tratamento.

 

Pai engenheiro, trabalha o dia inteiro e vive com a filha com transtorno bipolar e personalidade borderline. Jovem com 14 tentativas de suicídio. Hoje já tem um ferro na coluna. Perdeu a sensibilidade tátil da região lombar para baixo. Uma linda moça. Deu vontade de levar para casa. A mãe vive fora de Manaus. Nunca consegui internar. O que fazer? Receio que um dia ela consiga o que tanto tenta…

 

Paciente do acolhimento, 15 anos, várias tentativas de suicídio e automutilação. A mãe pisava em sua cabeça quando ela tinha apenas 03 anos de idade. O que essa filha me relatou que queria? Apenas ser amada pela mãe.

 

Dar a mais, dar a menos… o que é o suficiente? Quem é o mago, o alquimista, o professor, o pai ou a mãe que conhece a justa medida do amor e da correção, do sim e do não?

A verdade é que a maioria de nós faz o seu melhor, tentando acertar. Claro que sempre existirão aqueles que estão nos extremos da curva de Gauss, que fugirão ao comportamento da maioria das pessoas, do homem médio.

 

São homens e mulheres com seus próprios problemas e traumas criando outras pessoas. A verdade é que NÂO existe um manual para pais.  Ninguém nasce pronto. Estamos sempre aprendendo. Acertando e errando. As vezes nos culpando. Faz parte. O que temos, muitas vezes, são algumas orientações profissionais. Mas não há fórmulas, garantias, certezas, principalmente quando a questão se complica com a presença de transtornos mentais. Ai, o buraco é muito mais embaixo.

 

Pensando sobre tudo isso, foi que compreendi que o amor mora na “imperfeição”, na “diferença”, pede acolhimento, efetiva-se na aceitação do outro como de fato é e não como desejamos que seja. Obviamente que amar não é aceitar tudo. Muito pelo contrário: porque eu te amo é que eu não aceito! Porque eu te amo eu te imponho limites…fácil? nunca será. Fácil é educar o filho do outro. Julgar. Educar o nosso próprio filho…eis o grande desafio. Como disse muito sabiamente Luís Fernando Veríssimo: quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.

Sobre a autora:

Silvia Nery é médica psiquiatra, estudante de direito da UEA e uma entusiasta das letras.

 

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