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Meninas têm poucas referências em exatas e dificuldade em matemática

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Uma pesquisa da plataforma educativa Força Meninas, lançada hoje (14), destaca que seis em cada dez meninas (62%) de escolas públicas não conhecem nenhuma pessoa que atue profissionalmente em áreas STEM (sigla em inglês para indicar ciências, tecnologia, engenharia e matemática). Entre estudantes do gênero masculino, a porcentagem é menor, de 42%. Os resultados são um norte para se compreender o impacto da falta de representatividade feminina.

Quando se pergunta a meninos e meninas se conhecem uma mulher que trabalhe com STEAM, 57,1% respondem que não. Entre os que têm, em seu meio, alguém com esse perfil, o mais comum são mulheres matemáticas (18,7%). Em seguida, são mencionadas mulheres físicas (6%), químicas (5,9%) e engenheiras (4%).

Notícias relacionadas:Undime vê como positivo aumento de matrículas na educação infantil.MEC divulga nova tabela para salário educação.O levantamento consolidou indicadores a partir da aplicação de um questionário entre 1.232 meninos e meninas de 10 a 17 anos de idade, com amostragem de 37.400 alunos de ensino fundamental de escolas públicas de quatro regiões do país. Foram realizadas ainda entrevistas com 230 meninas de 10 a 18 anos, visitas a 17 escolas -, sendo dez públicas e sete particulares -, e entrevistas em profundidade com cinco meninas de alto desempenho escolar das cinco regiões do Brasil, além de 24 rodas de conversa. A apuração durou um ano e contou com a parceria das consultorias de pesquisa criativa  65|10 e Studio Ideias.

As equipes responsáveis pelo estudo descobriram que 44% das meninas consideram matemática a matéria mais difícil, contra apenas 28% dos meninos. Apesar disso, a mesma disciplina aparece como a mais importante para as meninas entrevistadas. Na sequência, vêm educação financeira, defesa pessoal/primeiros socorros, português e ciências.

Foram consideradas, nas respostas, tanto matérias que compõem o currículo escolar quanto outras que não constam dele ou que elas desejariam que fizessem parte. Na escola pública de Belém, as estudantes disseram ter vontade de ter aulas de educação sexual, como forma de prevenir a gravidez na adolescência e também de se proteger contra a violência sexual, em suas diferentes formas.

Conforme explica a fundadora da Força Meninas e idealizadora do estudo, Déborah De Mari, o que se observou, ao longo do levantamento, foi que as estudantes com mais aptidão para as matérias de exatas têm, de modo geral, um bom boletim escolar e gostam da escola. Segundo ela, há meninas que valorizam mais a educação, por vê-la como um modo de desenvolver seus potenciais, e outras que, “por uma série de questões”, incluindo o fato de não terem assimilado conteúdos durante a pandemia e o desencorajamento familiar, já não têm tanto interesse em estudar.

“As primeiras matérias afetadas por esse desinteresse eram essas com que têm menor afinidade, em que veem menor representatividade feminina, menos futuro. A primeira delas é a própria matemática, que tem muito esse emblema de dificuldade e de ser um território pouco feminino”, afirma Déborah, acrescentando que, para muitas alunas, há “desconexão” entre o que aprendem e aquilo com que se deparam na realidade.

O incentivo, em muitos casos, pode ser o componente que falta para que sigam um rumo e cheguem ao ensino superior. Déborah conta que, na história de Letícia, uma jovem do interior do Ceará, quem despertou a curiosidade por astronomia foi a avó. Foi o início de tudo.

“Hoje é uma menina que tem 18 anos, acredito, ela está nos Estados Unidos, é bolsista 100%. Já ganhou vários prêmios, é a primeira mulher da família dela que se forma, de uma família rural. Uma família que tinha limitações por localização, por vulnerabilidade financeira, sempre a incentivou a se desenvolver. Depois, quando entrou em um instituto federal, conseguiu estudar e teve educadores que a incentivaram a se desenvolver na parte da educação e da iniciação científica”, afirma Déborah. “Mexe com a estrutura da família inteira.”

Com os relatos das estudantes, a equipe pôde captar de que forma as alunas se relacionam com as bases STEM, já que se sabe que é uma esfera onde a participação de mulheres é baixa. De acordo com relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), feito em parceria com o British Council, estima-se que na América Latina e Caribe apenas uma mulher para cada quatro homens consiga um emprego na área de STEM.

Outro fator que pesa contra as meninas é o estereótipo de gênero, no sentido de que imagens associadas às mulheres ainda influenciam nas escolhas das estudantes. Segundo Déborah, muitas estudantes optam por seguir caminhos que, em tese, devem lhes conferir mais popularidade e menos rejeição de seu círculo interpessoal, algo importante, sobretudo, na fase da adolescência.

“Acho que existe um temor, de alguma forma, de confirmar a expectativa de outras pessoas, de que isso não vai dar em nada. É como se elas estivessem esperando algo para si que fosse impossível de alcançar ou que não é para elas. Um temor de insistir nisso e, depois, confirmar a descrença. Outra coisa que sinto é o seguinte: mesmo meninas que têm interesse, quando mais novas, com uns 13 anos, se desencorajam com o tempo, para continuar se encaixando nos padrões vigentes. Como acham que gostar daquilo não traz nenhum atributo no que diz respeito a ser benquista, popular entre amigos, muitas meninas que têm talento desistem no meio do caminho”, ressalta Déborah.

Estereótipo da mulher cuidadora

Ainda que seja somente suposição e não se comprove na prática, a ideia de que mulheres têm mais inclinação para serem cuidadoras é outro elemento que influencia as perspectivas das meninas. “Quando vamos para os grupos de conversa com as meninas, o que a gente percebe é que, sim, há alguns modelos ligados a celebridades”, afirma Déborah, quando perguntada sobre quais as mulheres que mais apareceram como referências.

“Além disso, outra figura que apareceu muito forte – três, na verdade -, que têm papel parecido. A de uma prima ou tia que, apesar de todas as dificuldades, conseguiu se estabelecer em uma profissão e ter independência, viver melhor do que naquele contexto em que está inserida. Elas trazem como exemplo essa figura que conseguiu transformar a realidade”, destaca a fundadora da plataforma.

“E apareceu também muito a figura da mãe solo, principalmente nas escolas públicas, e a avó que cria, que é essa pessoa ligada à expressão e#039;Ela passa fome, ela tira da boca [para dar alimento aos familiares]e#039;. A gente ouviu muito isso, essa mulher salvadora, cuidadora extrema, que passa por cima de qualquer esforço pessoal para manter o mínimo para aquela família se desenvolver”, acrescenta.

Essa característica se manifesta nas profissões citadas pelas estudantes. Entre as que estudam em colégios particulares, o que prevalece na hora de escolher o futuro profissional é o estilo de vida que pretendem ter ou uma decisão que envolve os pais, a família. Em primeiro lugar na lista, por isso, aparece a carreira de médica, ligada a status social e a um alto salário, mas também atrelada à noção de cuidado.

Entre as meninas de escolas públicas, pontos que determinam a escolha do ofício são as experiências de violência já vivenciadas, a possibilidade de ocupar uma posição de poder e que garanta maior proteção a si mesma e à família. Também aqui se destacam profissões ligadas ao cuidado. Como resultado aparecem, em primeiro, segundo e terceiro lugar, as profissões de médica, policial/delegada e médica veterinária, respectivamente.

Para Déborah, atingir um ambiente mais igualitário depende de “compromisso em todas as esferas”, com o envolvimento de pais e educadores. “A desigualdade de gênero, que já é gravíssima, vai se aprofundar mais se a gente não agir rápido e não agir no presente”, conclui.

O relatório “Meninas curiosas, mulheres de futuro. Meninas brasileiras e a inserção em STEM: um abismo no presente e horizonte para o futuro” pode ser lido, na íntegra, aqui.

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