A participação da Manaus Amazônia Galeria de Arte na ARCOmadrid 2025 marcou um momento histórico para a arte amazônica. Pela primeira vez, uma galeria da região integrou a maior feira de arte contemporânea da Espanha, levando ao mundo a potência da produção indígena do Amazonas. Entre os mais de 200 expositores da 44ª edição da ARCOmadrid, os artistas amazonenses Paulo Desana, Duhigó e Dhiani Pa’saro tiveram suas obras expostas no setor “Wametisé: Ideias para um Amazonfuturismo”.
Curado pelo artista visual amazonense Denilson Baniwa e por María Wills, em colaboração com o Institute for Postnatural Studies, o setor “Wametisé: Ideias para um Amazonfuturismo” apresentou um conceito baseado na cosmogonia dos povos do Alto Rio Negro, propondo uma visão da Amazônia como entidade viva, que valoriza os conhecimentos dos povos originários.
O texto curatorial destacou a importância de reconhecer e nomear espaços dentro de contextos culturais, e, nesse sentido, propõe uma visão da Amazônia não como um recurso a ser explorado, mas como uma entidade viva, cuja preservação depende do respeito aos povos originários e à sua visão de mundo.
Segundo o curador Denilson Baniwa, renomado artista amazonense,
Wametisé busca desconstruir a visão exotizada da Amazônia, trazendo uma abordagem que destaca a profundidade cultural e simbólica da região.
Para Baniwa, os artistas presentes na exposição, como Duhigó e Dhiani, não apenas ocupam espaços na arte contemporânea, mas também contribuem para ampliar seu vocabulário e perspectivas. “Pensamos que esses artistas, podem ser como se há um espaço na arte contemporânea atual no mundo, pode ajudar a trazer novos termos para a arte, um novo vocabulário, que nos ajude a pensar o que é essa arte hoje”, explica o curador.
A proposta é que, assim como os “wametisé” são essenciais para os povos indígenas, esses novos termos e narrativas podem redefinir a forma como a arte é pensada globalmente.
Visitas ilustres
Na última quarta-feira (5), a exposição da Manaus Amazônia Galeria no espaço Wametisé: Ideias para um Amazonfuturismo recebeu a visita dos monarcas espanhóis, Rei Felipe VI e Rainha Letizia, durante a cerimônia de abertura da 44ª edição da ARCOmadrid. Após conduzirem o evento, os reis percorreram algumas das principais exposições da feira e prestigiaram as obras dos artistas indígenas amazonenses Dhiani Pa’saro, Duhigó e Paulo Desana. O galerista e fundador da Manaus Amazônia, Carlysson Sena, apresentou os trabalhos aos monarcas, que expressaram interesse em conhecer Manaus e sua riqueza cultural.
Os reis fizeram questão de registrar o momento com uma foto ao lado das obras de Paulo Desana, acompanhados de Carlysson Sena e dos curadores Denilson Baniwa e Maria Wills.

A exposição também recebeu a visita da curadora da 1ª Bienal das Amazônias, Vânia Leal, que destacou a importância da presença da Manaus Amazônia Galeria na feira e da participação de artistas da região.
“Aqui tá sendo um momento de muitos contatos, em que a Amazônia está no cerne da questão, das discussões. Como uma mulher amazônida, nortista, estou muito feliz de poder desdobrar esses assuntos, de falar sobre isso, e principalmente de marcar um grafo também sobre a Bienal das Amazônias”, afirmou.
Obras e artistas
Dhiani Pa’saro, do povo Wanano, expôs as marchetarias: “Movimento Infinito II”, inspirada no grafismo Wanano, utilizado nos grandes balaios que servem para armazenar mandioca descascada ou massa de mandioca peneirada; “Osso de Jandiá II”, que representa um grafismo Baniwa conhecido como “osso de jandiá”, inspirado em um peixe de água doce liso, utilizado na confecção de balaios e urutus feitos de arumã e verniz natural; e “Stu”, cujo nome, que significa “pote” na língua Wanano, retrata um pote visto de cima, usado pelos Wanano para guardar a bebida sagrada Ayahuasca, feita a partir de dois cipós.
O artista participou de importantes exposições ao longo de sua carreira, como em 2022, quando sua obra “Arara Azul”, realizada em marchetaria e com 80 cm de diâmetro, foi incorporada ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Entre outubro de 2023 e fevereiro de 2024, a obra “Sûophoka” foi exposta na mostra “Histórias Indígenas”, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), e depois foi incorporada ao acervo do Museu.

As obras da artista Duhigó, do povo Tukano, para a ARCOmadrid revisitam suas memórias pessoais e ancestrais, destacando a relação de identidade, comunidade e território. A obra “Memória dos carapanãs – Mũtenam”, representa uma memória da infância da artista que viajando pelo igarapé Omari com os parentes foi acolhida pelo casal de curandeiros moradores da floresta. Já a peça “Cocar dos Tuyucas”, apresenta um cocar que faz parte da memória afetiva da infância da artista, do contato dos Tukano com os Tuyucas. E a obra “Maloka Tukano” retrata a ancestralidade do povo Tukano, através de quatro parentes da artista, representados com seus ornamentos próprios e grafismos corporais que os identificam como pajé, cacique e aprendizes da aldeia. Os personagens retratados olham para quem os observa como quem olha o futuro que os aguarda.
Duhigó tem uma trajetória marcante, com diversas exposições no Brasil e no exterior. Em 2021, sua obra Nepũ Arquepũ foi incorporada ao acervo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), se tornando a primeira artista indígena do Amazonas a fazer parte do acervo do maior museu da América Latina. No mesmo ano, participou da exposição “Histórias Brasileiras” no MASP, com a obra “Autorretrato de Duhigó”, que também foi doado ao museu ao final da mostra. Reconhecida com o prêmio nacional Funarte “Mestras e Mestres das Artes 2023”, Duhigó teve suas obras expostas no Pavilhão da Bolívia na Bienal de Veneza de 2024, o mais tradicional e importante evento de artes visuais do mundo.

O artista Paulo Desana, da etnia Desana, apresentou três fotografias da sua coleção “Pamürɨmasa”, cujo nome significa “Espíritos da Transformação” na língua Tukano. São elas: “Espirito da transformação – Madalena Fontes Olimpio”, “Espirito da transformação – Larissa Ye’padiho Mota Duarte” e “Espirito da transformação – Gilda Da Silva Barreto”. Inspirada na mitologia dos povos indígenas de São Gabriel da Cachoeira, na região do Rio Negro, a coleção se baseia no mito da Cobra Canoa, ou “canoa da transformação”, que narra a origem da humanidade no ventre da grande serpente, dando início às comunidades ao longo do rio Negro.
Natural de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, assim como Duhigó e Dhiani Pa’saro, Paulo Desana é uma referência em fotografia, direção, artes visuais e produção. Atualmente, é um dos diretores de fotografia do documentário “Parque das Tribos – Muitos povos, uma só nação”, com previsão de finalização em outubro de 2024. Em 2023, foi destaque na Bienal das Amazonias, em Belém, Pará.
