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Confrontos após morte de Nahel espelham medo da polícia entre jovens periféricos da França

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A saída da estação de metrô de Reynerie, no bairro popular de mesmo nome que fica no sudoeste de Toulouse, quarta maior cidade da França, desemboca em uma praça de concreto esvaziada na qual se destacam os véus que cobrem as cabeças de boa parte das mulheres que circulam por ali.

Ao lado, na rua Kiev, grandes marcas de fuligem no asfalto dão testemunho dos carros, ônibus e caminhões incendiados nas últimas noites durante a onda de distúrbios que tomou cidades da França.
As revoltas foram deflagradas depois que Nahel, 17, de origem argelina, foi morto por um tiro disparado por um policial em Nanterre na última terça-feira (27).
A ação foi filmada e rapidamente ganhou o noticiário e as redes sociais. O registro não só colocou em xeque a versão do policial sobre a necessidade de uso de sua arma, como também deflagrou os protestos incendiários que abriram nova crise no governo do presidente Emmanuel Macron.

“A polícia errou, como já fez várias outras vezes contra outros jovens, sempre de comunidades árabes e negras”, diz o estudante Mahad, 19, de origem senegalesa, que mora em Reynerie e não quis dar seu sobrenome à reportagem. “Nossa revolta é pela morte de Nahel. Se seu assassinato não tivesse sido filmado, não saberíamos que esta foi uma morte totalmente injustificada.”

À exemplo do que ocorreu na França em 2005, quando a morte de dois jovens perseguidos por policiais gerou protestos violentos pelo país, os distúrbios de agora são protagonizados por jovens dos chamados “quartier chaud”, os “bairros quentes”. São locais repletos de conjuntos de habitação social, também chamados de “bairros sensíveis”, que concentram as populações mais vulneráveis do país, em geral compostas por uma maioria de imigrantes das ex-colônias francesas em países africanos.

Foi na entrada de um desses conjuntos habitacionais de Reynerie, cujo muro cinza trazia pichada em vermelho a frase “a polícia mata”, que a reportagem conversou com um grupo de três jovens de origem argelina que não quiseram se identificar. Vestidos de preto, com capuzes e pochetes atravessadas no peito, como se fosse um uniforme, eles disseram que suas experiências com a polícia os fazem pensar que qualquer um ali poderia ser Nahel e ter o mesmo fim.

Para eles, a polícia age de maneira discriminatória contra grupos vistos como indesejáveis, como árabes e negros. Os jovens denunciam uma rotina de abordagens policiais violentas, repletas de injúrias e de agressões. Segundo o trio, os franceses brancos são tratados de maneira diferente pelas autoridades da França, e Nahel dificilmente teria recebido um tiro se não tivesse sido identificado como árabe.

Para ilustrar essa percepção, eles citam o caso do comediante francês Pierre Palmade, 54, que provocou um acidente rodoviário sob efeito de cocaína, no qual feriu gravemente três pessoas, mas responde ao processo em liberdade. Já Nahel, após cometer infrações de trânsito, levou um tiro quando acelerou o carro diante da abordagem policial armada.
Esse ressentimento da juventude que habita os bairros sensíveis da França é alimentado pelo que eles apontam como certa condescendência do governo com a violência policial e com abordagens racistas.

O mesmo diagnóstico foi feito pelo sociólogo Julien Talpin ao jornal francês “Liberation”. Professor na Universidade de Lille e especialista em bairros populares, ele avalia que a persistente falta de respostas do poder público diante do racismo e da violência da polícia aumentam a raiva da juventude nesses locais, em que os distúrbios, segundo ele, devem prosseguir ou até mesmo se intensificar.

Num país onde registros oficiais são cegos a variáveis de raça, etnia ou religião, a discussão sobre discriminação e racismo se enfraquece sem o amparo de estudos baseados em dados públicos. Pesquisas de institutos privados, no entanto, já apontaram que 93% dos franceses negros dizem já ter sofrido algum tipo de discriminação.

Os distúrbios franceses levaram a porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, Ravina Shamdasani, a declarar que este “é o momento para o país enfrentar seriamente os profundos problemas de racismo e discriminação raciais dentro das forças de segurança”.
Em Reynerie, o argelino Zinelabidine Hadji, 24, que vive no país há cerca de um ano e diz ainda não saber falar direito o francês, explica que a morte de Nahel o atingiu em cheio, não só pela origem compartilhada mas também porque reforça o medo que ele já tem da polícia da França.

“Nahel não estava armado, não tinha drogas. Sua morte só pode ser explicada pelo racismo”, avalia. “É por isso que as pessoas aqui estão revoltadas. A gente fala, mas o governo não escuta. A revolta e os incêndios são uma forma de forçar que nos ouçam.”

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