Os dados sobre quilombolas no Brasil divulgados nessa quinta-feira (27) foram a primeira vez que um Censo Demográfico contabilizou a população quilombola. Mas, de acordo com o geógrafo Rafael Sanzio dos Anjos, os dados do Censo 2022 sobre os quilombolas devem ser encarados como um primeiro retrato oficial dessas populações, mas ainda não representa a realidade.
“Essa é uma primeira cartografia do IBGE. Podemos ter uma segunda, uma terceira e é lógico que isso deverá estar futuramente mais completo. Até porque nós estamos trabalhando com território de exclusão. São territórios que foram excluídos por cinco séculos. Não é no primeiro levantamento oficial que vamos ter todas as comunidades e todos os territórios étnicos. Seria pedir demais. Então é um processo. Acredito que o IBGE também tenha essa clareza”, avaliou.
Visibilidade
Pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em cartografia quilombola, Rafael destaca a importância do levantamento censitário para dar visibilidade a essas populações. “Nós temos sete Constituições Federais e apenas na última, de 1988, a palavra ‘quilombo’ vai aparecer. Ou seja, há 34 anos. Mas os quilombos estão presentes no Brasil desde o século 16. Por que tanto tempo, na nossa historiografia, tem esse registro de invisibilidade e de exclusão desse tipo de território de resistência?”, questiona.
O Censo Demográfico é a única pesquisa domiciliar que vai a todos os municípios do país. As informações levantadas subsidiam a elaboração de políticas públicas e decisões sobre onde o orçamento será investido. O Censo 2022 deveria ter sido realizado em 2020, mas foi adiado duas vezes: primeiro devido à pandemia de covid-19 e depois por questões orçamentárias. Embora o Brasil realize uma operação censitária a cada dez anos, somente nesta edição houve a inclusão de um quesito no questionário para identificar os quilombolas.
O geógrafo lembra, entretanto, que esforços para mapeamento dessas populações têm sido empreendidos há algum tempo na academia. Ele conta que uma dessas iniciativas está atrelada ao Projeto Geografia Afrobrasileira: Educação, Cartografia & Ordenamento do Território (Geoafro) que mobiliza pesquisadores da UnB, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e de outras instituições, e conta com uma ampla rede de apoio que abrange inclusive órgãos vinculados ao governo, como a Fundação Cultural Palmares e o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Rafael desenvolve estudos no âmbito desse projeto.
“Em 2000, o IBGE convidou o Geoafro para ir à sua sede no Rio de Janeiro apresentar seu primeiro cadastro. Apresentamos a publicação que constava uma pequena parte dos territórios quilombolas do Brasil. Então precisamos dizer que a preocupação do IBGE vem desde o ano 2000. Mas não aconteceu no Censo de 2000 e nem no de 2010. Finalmente aconteceu no Censo de 2022. É importante colocar isso porque esse dado novo que o IBGE levantou e está divulgando é resultado de um processo histórico que envolve diversos colaboradores”, pontua.
O Geoafro publicou no ano de 2020 seu mais recente cadastro de territórios quilombolas do Brasil, o qual aponta para os mais de 6.000 territórios quilombolas. Segundo Rafael, o Censo 2022 recenseou parte significativa, mas muitos ainda ficaram de fora. “Eu penso que é algo que o IBGE irá resolver dentro do seu processo de planejamento. Eu até diria que esses resultados deveriam ter um nome como primeira configuração ou como o primeiro retrato”.
De acordo com o pesquisador, um caminho para aprimorar futuros levantamentos é observar a distribuição geográfica das comunidades mapeadas e cruzar estas informações com dados históricos. “Aonde houve atividades econômicas coloniais imperiais, como mineração de ouro e diamante, ciclos de boiada, produção agrícola de cacau, café, cana-de-açúcar, algodão, enfim, onde houve essas atividades, existem comunidades quilombolas”.
Políticas públicas
Lideranças de comunidades quilombolas e organizações representativas têm manifestado a expectativa de que a divulgação dos resultados abra caminho para maior reconhecimento, garantia de direitos e acesso a políticas públicas. Rafael avalia que os dados levantados pela academia são dados “oficiosos”, que tem validade e credibilidade. Segundo o geógrafo, o dado oficial do IBGE tem outro tipo de penetração, devido ao seu valor dentro da governança da nação.
“É preciso olhar para essa oficialidade que o Brasil está dando aos territórios quilombolas e ver de que forma serão implementadas de fato políticas que são esperadas há muito tempo. Então, eu diria que é um momento especial nesse sentido, para que tenhamos diretrizes mais assertivas de políticas públicas”, diz.
“A educação quilombola, por exemplo, é necessária nos quilombos porque ela guarda a tradição, a cultura, a historicidade, a língua, as referências religiosas. Esse tipo de educação para um território tradicional merece uma prioridade. E aí o Ministério da Educação tem que trabalhar com isso”, conclui.
Edição: Marcelo Brandão