Manaus (AM) – Afetando diretamente o consumo da população brasileira, o tradicional leite – considerado um dos itens essenciais no café da manhã na mesa das famílias – parece ser o vilão da vez na lista do supermercado. Pressionada pelo aumento na bebida láctea, a população do Amazonas tem buscado novas alternativas para substitui-lo.
O preço do leite, que já está bastante alto, deve sofrer um novo reajuste em agosto. De acordo com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, o aumento acumulado do longa vida nos últimos 30 dias já chegou a quase 20%. A disparada do preço do leite, que teve alta de 41,76% em 12 meses no país, ampliou o número de alimentos de segunda linha oferecidos nas prateleiras dos supermercados.
A economista Denise Kassama pontua que a alta no preço do leite afeta o mercado dos laticínios como um todo, visto que o preço de queijos, iogurtes, requeijão, manteiga, margarina, dentre outros derivados do leite, são afetados por essa variação e influencia no chamado “custo final” do produto oferecido ao mercado consumidor. Usando como exemplo a própria vivência, Kassama que no período de um mês já sentiu o aumento de 25% no valor do leite.
“Geralmente eu compro eu compro leite para a minha casa naquela caixa onde vem 16 unidades de leite. A última vez que eu fiz isso foi no início de junho e eu paguei algo em torno de R$5,50. Esse mês fui no supermercado para renovar a minha caixa de leite e você não acha por menos de R$ 6,50, mostrando um aumento aí de 25%. Segundo o IPCA, o aumento do leite longa vida foi de 22% e quando sobe o preço do leite também afeta no valor dos seus derivados como o queijo, o requeijão, o iogurte e tudo acaba subindo proporcionalmente. Na economia nada é isolado e tudo tem a ver com tudo”, disse.
Conforme a economista, no caso do leite, os custos dependem muitas vezes de fatores climáticos, do preço dos grãos usados na fabricação da ração, da variação do mercado financeiro, preço dos combustíveis, dos fertilizantes e também da procura do produto pelos consumidores. A pecuária extensiva, que consiste na criação do gado a pasto em grandes áreas, ocupando latifúndios e propriedades familiares, é uma das mais afetadas.
Apesar de o valor do produto naturalmente subir na entressafra, que ocorre entre abril e junho, outros pontos impactaram ainda mais no preço da bebida recentemente.
“Nesse período de entressafra do leite houveram problemas metereológicos, como as friagens que reduziram os pastos onde o boi come. Uma boa parte dos produtores que trabalham com pecuária extensiva tiveram esse pasto reduzido por conta de geadas que queimaram o pasto obrigando-os a migrar para a ração. A ração está com o preço acima do mercado porque o próprio mercado de grãos aumentou significativamente, além dos suplementos, dos fertilizantes e o próprio combustível importante na questão logística da cadeia do leite. Tudo isso contribuiu para esse preço que a gente está vendo nos supermercados de Manaus”, destacou.
Com um preço mais em conta, um produto semelhante ao leite tem ganhado as prateleiras dos mercados. Gerado na produção de queijo, o soro de leite tem sido a aposta do comércio como uma opção inferior e mais barata para substituir o leite. Matéria-prima para alimentos lácteos, como bebidas e alguns tipos de whey protein, o soro de leite não apresenta contraindicação, mas não substitui o consumo do leite por apresentar perda de nutrientes em relação ao produto original.
“Tudo isso acaba impactando na mesa do amazonense. Com o leite nesse valor, acaba desestimulando o consumo porque renda do amazonense já está bastante reduzida e corroída pela inflação. A população acaba migrando para alguns subprodutos do leite que não são tão nutritivos, mas já são distribuídos pelo mercado. Esses fatores acabam comprometendo a dieta do amazonense”, ressaltou.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil voltou ao Mapa da Fome em 2022, visto que o percentual de brasileiros que não têm certeza de quando vão fazer a próxima refeição está acima da média mundial. Um país entra no Mapa da Fome quando mais de 2,5% da população enfrentam falta crônica de alimento e a fome crônica no Brasil já ultrapassa a média global atingindo agora 4,1%.
“Mais uma vez isso nos empurra para o Mapa da Fome Além de ter que correr atrás de osso de boi porque a carne está muito cara, agora temos que ir no açougue atrás do leite que é mais barata e não é tão nutritivo. Mas enfim, entre passar fome e encher o bucho, né? O amazonense está ‘enchendo o bucho’ da pior maneira possível, comprometendo inclusive a saúde alimentar das próprias famílias”, complementou Denise Kassama.
Para quem atua no setor o cenário é ainda mais frustrante. Dono do mercadinho Baratão do Educandos, localizado na capital amazonense, Sidney Ricardo Teles destaca que o aumento nos valores do leite tem afetado tanto os consumidores quando os revendedores.
“As vendas do produto caíram muito e com a menor procura houve a interferência direta da questão da validade do produto que rodaria bem antes, demorou a vender e ficaram próximos da validade. Com isso tivemos que diminuir as margens para tentar forçar a venda e a gente ainda não conseguiu adequar o preço real, até hoje ainda não estamos trabalhando com a margem exata de lucro”, pontuou.
O empresário alerta ainda que a população tem escolhido leites mais baratos acreditando que por possuírem rótulos e formatos de embalagens similares aos leites e derivados já conhecidos dos consumidores, no entanto são misturas lácteas que contam com fórmulas diferentes.
“Em primeiro instante, a alternativa buscada pelo público foi pelos leites mais baratos onde eles são ‘lesados’ pois não se atentam para o fato que existem misturas, ou seja leites modificadas que, na verdade, são misturas lácteas e eles acabaram indo para esse caminho. Hoje em dia a população têm buscado a alternativa das misturas em pó. A venda do leite líquido caiu bastante e eles não tem nenhuma alternativa pra substituir esse produto em si”, finalizou.