A baixa presença de mulheres no curso de física foi o que motivou as professoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Elis Sinnecker, Tatiana Rappaport e Thereza Paiva a criarem o projeto Tem Menina no Circuito, em 2013. Com quase dez anos de existência, a iniciativa foi vencedora da edição de 2022 do Prêmio Nature Mulheres Inspiradoras na Ciência, na categoria Divulgação Científica.
A revista Nature, publicada desde 1869 é, atualmente, uma das principais publicações científicas no mundo. O prêmio foi entregue às pesquisadoras do Instituto de Física em cerimônia realizada em Londres no último dia 11. “Esse prêmio é muito importante para a gente, é um reconhecimento internacional, é um prêmio de muito prestígio”, diz Thereza.
Notícias relacionadas:Frequência de meninas ao médico é 18 vezes maior que a dos meninos.Governo cria grupo para implementar Observatório das Mulheres Rurais.O Tem Menina no Circuito foi fundado como uma iniciativa para incentivar meninas a gostarem e a se engajarem em ciências exatas. O projeto ocorre em cinco escolas de regiões de baixa renda do Rio de Janeiro e, desde 2019, também em Uberlândia, em Minas Gerais.
O projeto promove uma série de atividades voltadas para as meninas. “A gente não chama nossas atividades de aula, fazemos questão de não ir para o quadro. As atividades são mão na massa”, explica Thereza. Elas reúnem materiais usualmente usados em circuitos elétricos, como baterias, fitas condutoras e leds com objetos lúdicos de artesanato e trabalho manual, como papel, tecido e massa de modelar e colocam em prática o que aprendem.
Além das atividades nas escolas regulares, o projeto promove atividades extras levando as meninas para espaços de ciência, como os laboratórios da própria UFRJ e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O projeto também realiza ações nas escolas voltadas para os estudantes em geral, como palestras, oficinas de robótica e feiras de ciências, que incluem os meninos.
Mulheres na ciência
Neste ano, relatório do British Council, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mostrou que a América Latina e o Caribe atingiram a paridade de gênero na ciência, com as mulheres representando 46% do total de pesquisadores da região.
No entanto, quando se tratam das áreas de exatas, a porcentagem de pesquisadoras cai. Considerados apenas os estudos em STEM, sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática, o estudo mostra que a porcentagem de mulheres investigadoras que trabalham em engenharia e tecnologia na região é muito mais baixa do que a dos homens. Em alguns países, como Bolívia e Peru, esta porcentagem é inferior a 20%.
O projeto surge para incentivar e dar oportunidade para as meninas seguirem carreira em exatas. “A ciência precisa de diversidade. Para a ciência, é melhor que haja pessoas diversas trabalhando, isso aumenta a chance de resolver problemas”, diz Thereza.
Outro impacto observado no projeto é uma maior busca pelo ensino superior. A partir do momento que as estudantes se aproximam das universidades, elas percebem esse espaço como um lugar que pode ser ocupado por elas. “A gente está fazendo inclusão pela ciência. Motiva as meninas e o entorno delas, fomenta feira de ciência, motiva a busca pelo ensino superior” afirma a pesquisadora.
No início deste ano, em conjunto com outros pesquisadores, Thereza publicou um artigo com um levantamento das professoras nas áreas de matemática, física e química das principais universidades e centros de pesquisas sediados no estado do Rio de Janeiro. Os dados mostram que há mais professores homens nessas áreas do que mulheres.
Na área de matemática, são 104 mulheres e 275 homens e na de química, 167 mulheres e 219 homens. No caso da física, o estudo identifica um abismo ainda maior: 66 mulheres e 258 homens. Considerada a raça, a diferença aumenta. Segundo a publicação, entre os 324 docentes e pesquisadores em física nas instituições consideradas, foi encontrada apenas uma mulher não branca.
De estudante a professora
A então estudante Gabriella Galdino foi uma das primeiras participantes do projeto, em 2014, quando estava no 2º ano do ensino médio, no colégio estadual Alfredo Neves, em Nova Iguaçu. Ela conta que sempre se interessou pela área de exatas, mas foi com o projeto que pode conhecer melhor os campos de atuação.
“O diferencial para mim, além das atividades de física, foram as visitas às universidades. Com o projeto, consegui ter acesso, visualizar como era a rotina de aluno na universidade e perceber que é acessível”, diz.
Gabriella, por influência do projeto, escolheu a carreira de física e hoje é professora em três escolas. Na turma, na UFRJ, ela era uma das poucas meninas e também uma das únicas a se formar em física. Outras acabaram mudando de curso ao longo da formação.
“Acho que as meninas acabam não indo para a área de exatas pela falta de modelos, pela falta de exemplos do que seria trabalhar em uma área dessas e por uma questão cultural. Desde pequena a gente é criada para cuidar das pessoas, por isso vão para as áreas de cuidado, educação infantil, saúde”, diz.
O projeto tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Instituto Reditus e ampliou suas atividades em 2019, passando a atuar também na Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais.
Com o prêmio, a iniciativa irá receber US50 mil para investir em atividades relacionadas à divulgação científica e ensino de tecnologia.